Tecnologia e sustentabilidade encontram seu ponto de inflexão no Web Summit 2023

No ano mais quente (literalmente) da história do planeta nos últimos 125 mil ano e o mais disruptivo por conta da IA Generativa, as apresentações e painéis dos quatro dias do Web Summmit 2023, realizado em Lisboa, em novembro, foram o espelho do modelo mental com que cientistas, ativistas, empreendedores de tecnologia, reguladores, investidores e políticos entram em 2024. Uma mistura de encantamento e dúvidas pelo que ainda está por vir.
Um ano que, como disse Katherine Maher, a nova CEO do Web Summit, no encerramento do evento, "poderá mudar suas carreiras, seus propósitos, seus países e, quem sabe, o mundo".
A inteligência artificial - que soma os medos e as esperanças da humanidade - foi a grande protagonista, ao lado da crise climática e sustentabilidade. "A urgência da pauta ESG não poderia ficar de fora de um evento sobre inovação. A IA também pode contribuir com essa agenda, desenvolvendo soluções que ajudem a cuidar do planeta e atendam às necessidades de pequenos, médios e grandes produtores", diz Luiz Pires, gerente de Sustentabilidade e Inovação da ANBIMA, que participou do evento.
Um hub para inovadores
Foi uma edição recorde do evento, que nasceu em 2009, em Dublin, com apenas 150 participantes. Mais de 70 mil pessoas (48% mulheres), de 153 países, participaram do Web Summit Lisboa. A esperança de conseguir visibilidade, funding e uma porta de entrada no mercado global de tecnologia, fez do Web Summit 2023 o polo de atração de 2,6 mil startups de 93 países. É o maior número de participantes em toda a história da conferência.
Para o Brasil, o evento também foi um recorde: a startup Inspira, uma legaltech que utiliza inteligência artificial para apoiar o trabalho de profissionais da área de direito e regulações, levou o prêmio de melhor Pitch do evento, disputando com outras 100 empresas. É a primeira vez que uma startup brasileira ganha a competição. "Lisboa é importante, é a porta de entrada para outro mercado. Se expandirmos, Lisboa é o voo mais curto”, diz Henrique Prado Ferreira, cofundador do Inspira. (foto abaixo)

Dois lados da mesma IA
No palco principal do Web Summit, a IA foi apresentada como a tecnologia que pode nos tirar de muitas confusões planetárias, resolver os grandes problemas da humanidade e garantir uma vida mais criativa e produtiva. “Pela primeira vez, em todos os países e continentes, os fundos perceberam que é a hora de investir na mesma tecnologia. Na próxima década, todo o software produzido no mundo virá com uma IA integrada", sinalizou Cristina Fonseca, gestora do fundo Indico Capital Partners.
Ainda mais otimista, Vasco Pedro, cofundador e CEO da Unbabel, uma startup que utiliza IA com um tradutor universal, e que demonstrou a tecnologia Halo, para facilitar a comunicação de pessoas com doenças degenerativas, acredita que "todos vão se tornar experts em suas funções com muito mais rapidez, gerando profissionais de altíssima qualidade". "Todo gestor deve entender que não utilizar a IA pode colocá-lo em uma séria desvantagem competitiva em relação ao concorrente”, diz Pedro.
A CSO (Chief Sustainability Officer) da Microsoft, Melanie Nakagawa, trouxe para a mesa a visão de que a IA pode ajudar a resolver a crise climática. “A IA pode fazer previsões em sistemas complexos, com uma quantidade de variáveis que seriam impossíveis de analisar de outra forma", diz ela. Por exemplo, prever incêndios florestais, ou identificar padrões sonoros para localizar e corrigir vazamentos na rede de água das cidades.
O outro lado da moeda, bem menos otimista, inclui riscos à privacidade, alucinações, criação de "verdades sintéticas", aumento das desigualdades e redução dos direitos ao emprego. "A IA está dando aos empregadores um pretexto para degradar as condições de trabalho das pessoas”, disse a presidente da Signal e pesquisadora ética de IA, Meredith Whittaker, que trabalhou no Google até 2019. Segundo ela, é um erro dizer que a IA pode "magicamente" substituir humanos no trabalho. “A IA não nasceu para isso: o que ela faz muito bem é processar uma imensidão de dados, em uma escala que seria impossível para nós”.
Ética e regulação
Com os problemas e oportunidades postos na mesa, ficou claro que a IA vem para ficar, cabendo aos humanos definir as regras do jogo, um capítulo da história que deve se desenrolar em 2024. A transformação dos negócios e da cultura será rápida, e a hora para começar é agora. Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, diz que não podemos cometer o erro do "alarmismo preguiçoso" das tecnologias passadas. “Já vimos isso acontecer com muitas outras tecnologias. Aconteceu com o eBay, aconteceu com a Wikipedia e vai continuar acontecendo com qualquer tecnologia que prometa grandes transformações”.
A questão de como e quanto regular foi o tema central da palestra de abertura do principal pesquisador do MIT, Andrew McAfee. "Estamos escolhendo entre a microgestão e a turbulência. Mas se escolhermos microgestão vamos continuar a ter turbulência", disse McAfee ao comparar as diferentes tendências de regulação em discussão no mundo, incluindo o AI Act (Regulamento Europeu sobre Inteligência Artificial), que estabelece vários níveis de governança e permissões dependendo do uso crítico da IA.
Há duas filosofias possíveis para o desenvolvimento de IA, diz ele: fazer sem pedir licença (permissionless innovation) ou pedir permissão para avançar, cercado por regulações e regras (upstream innovation). McAfee prefere o primeiro modelo, porque a segunda alternativa pode levar a lentidão e atraso. Segundo ele, é possível ter permissionless innovation com regulação. O mais importante, diz McAfee, é facilitar a correção dos erros.
No grupo dos investidores e empreendedores, a visão do problema é pragmática, em favor da velocidade. “Temos um déficit imenso de trabalhadores no segmento de transportes, que deverá aumentar nos próximos anos. Nesse caso, o aumento da eficiência trazido pela tecnologia diminui o gap de mão de obra que existe em todo o mundo”, disse Vincent Clerc, CEO da Maersk.
“Com a IA, é preciso dar acesso e colocar limites, para que as pessoas saibam o que podem fazer, o que não é permitido e inovem a partir daí”, diz Brad van Leeuwen, cofundador e COO da startup britânica Cledara. A criação de uma cultura corporativa focada na inovação, aprendizado contínuo e colaboração é chave para o avanço correto da tecnologia como um assistente dos humanos.
Para o seu radar: Web Summit Lisboa 2023
- Noite de abertura: direto da playlist do YouTube, os destaques ficam para o painel com Cristina Fonseca, empreendedora e investidora portuguesa, gestora do fundo Indico Capital Partners, e Vasco Pedro, cofundador e CEO da Unbabel, sobre investimentos e o impacto da IA na comunicação humana; e para a entrevista com Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, explicando por que não usa IA Generativa como interface da enciclopédia, ainda.
- Primeiro dia: destaques para o cientista e pesquisador do MIT, Andrew McAfee, sobre riscos da IA e a regulação da tecnologia; a demonstração da tecnologia Halo, da Unbabel, que "parece telepatia"; o grande reset do mercado de Venture Capital em 2024, segundo Albert Wenger, gestor e sócio na Union Square Ventures; e o lado B2B da IA do AliBaba, o gigante chinês de e-commerce, segundo seu presidente, Kuo Zhang.
- Segundo dia: vale ouvir as ideias dos prefeitos de Lisboa, Carlos Moedas, e do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, sobre a criação de hubs de inovação transatlânticos; a palestra de Cassie Kozyrkov, CEO da Data Scientific, sobre o mundo do trabalho com a IA; e Sage Lenier,ativista ambiental, considerada pela revista Time como uma das novas lideranças do setor, falando sobre "refugiados climáticos" e economia circular.
- Terceiro dia: os destaques ficam por conta da palestra de Melanie Nakagawa, CSO na Microsoft, sobre o uso da IA para combater a crise climática; o desafio de descarbonizar a indústria de ferro e aço usando hidrogênio, explicado por Henrik Henriksson, CEO na H2 Green Steel; a celebração dos brasileiros fundadores da Inspira, que venceram a competição de startups; e a urgência da criptografia em um mundo cada vez mais inseguro, segundo Chelsea Manning, consultora de segurança da Nym Technologies.