Economia net zero demanda um novo ecossistema de financiamento

A transição para uma economia de baixo carbono – que se apoia em fontes de energia renovável (como a biomassa), novos modelos econômicos (como a economia circular e a bioeconomia) e uso sustentável dos recursos biológicos –é historicamente o movimento global mais importante que vivemos até agora. E, possivelmente, o mais caro.
Quanto custa migrar o planeta para uma economia net-zero, até 2050?
- Segundo a McKinsey, cujo relatório The net-zero transition é usado como referência pelo Fórum Econômico Mundial, são necessários investimentos de US$ 9,2 trilhões ao ano (gráfico abaixo), elevando a conta final a US$ 257 trilhões.
- A conta da Bloomberg NEF, mais recente, estima em US$ 7 trilhões ao ano, ou US$ 196 trilhões até início de 2050.
- Para uma terceira opinião, a dica é ler as ponderações da Deloitte, publicadas em março deste ano, com o título The (true) cost of a low-carbon future.

A força do Brasil
A maioria dos esforços globais de descarbonização precisa se concentrar na mudança do modelo energético, uma vez que o consumo de energia é responsável por 85% das emissões de GEE (gases de efeito estufa) no mundo. Até 2030, essas emissões precisam baixar a níveis de 2019 e, segundo o relatório Getting on Track to Net Zero, do FMI (Fundo Monetário Internacional), apenas 11% dessa redução aconteceria até o final da década.
A bioeconomia pode gerar US$ 240 bilhões ao ano para o Brasil até 2050, só com bioquímicos, biocombustíveis e proteínas alternativas, estima a A BBI (Associação Brasileira de Bioinovação). Ela gera negócios sustentáveis, emprego e renda, fazendo toda a diferença na descarbonização global, e é estratégica para o país, diz Tiago Giuliani, assessor de Sustentabilidade, Descarbonização e Novas Tecnologias da entidade.
O Brasil tem hoje um percentual de renovabilidade de sua matriz energética de aproximadamente 45%, muito superior à maior parte dos países desenvolvidos. Desse percentual, 21% vêm de produtos da cana-de-açúcar e de outras fontes vinculadas à agroenergia. Na matriz elétrica nacional, o percentual de renovabilidade é próximo a 80%, sendo que 8% também advêm de biomassa da cana-de-açúcar e de outras fontes.
“O agro terá papel fundamental na expansão da nova agenda da bioeconomia e da transição energética, uma vez que a cana-de-açúcar, a soja, o milho e os resíduos agropecuários são hoje as principais matérias-primas para a produção de bioenergia e biocombustível”, explica Alexandre Alonso Alves, chefe-geral da Embrapa Agroenergia.
Hoje, o Brasil mantém a inova-e, uma plataforma online para gastos com P&D em energia e outros dados de inovação, fornecendo subsídios essenciais para definir a estratégia e as prioridades de inovação energética do país. Ao compartilhar esses dados com a IEA (Agência Internacional de Energia), nos tornamos o primeiro país não membro pleno do IEA a ser incluído no Energy Technology RD&D Budgets.
Um relatório do WEF, em parceria com a consultoria Oliver Wayman, estima em R$ 1 trilhão o capital necessário para o Brasil alcançar seus objetivos de transição climática até 2030.
De onde virá o financiamento?
Instituições financeiras privadas (mercado de capitais e bancos de investimento) em apoio aos seus clientes e em parceria com o setor público podem ajudar a catalisar capital para países, empresas e projetos alinhados com as metas do net zero para 2050.
A urgência por capital incentiva o crescimento do blended finance (BF), modelo que combina recursos do setor público e privado, bancos multilaterais de desenvolvimento, filantropia e instituições financeiras internacionais. Essa abordagem visa reduzir o risco para o setor privado e capitalizar projetos ambientais que poderiam não ser financeiramente viáveis.
Entre os exemplos de projetos estão a construção de infraestrutura de energia renovável em países em desenvolvimento, o financiamento de pequenas e médias empresas em áreas de difícil acesso e o desenvolvimento de serviços de saúde acessíveis em regiões carentes. Segundo a rede Convergence, entre 2014 e 2023, foram mobilizados US$ 200 bilhões para projetos BF nos países em desenvolvimento.
No Brasil, uma das iniciativas mais recentes é o programa do BNDES para estimular mecanismos de blended finance que, em 2022, selecionou 11 projetos que irão levantar mais de US$ 260 milhões, aproximando o banco de desenvolvimento estatal de entidades do setor filantrópico. As oportunidades geradas pela combinação de forças dos bancos públicos de desenvolvimento com a filantropia são tema de um relatório organizado pelo Instituto Arapyaú.
A agenda do Blended Finance no Brasil é detalhada no relatório elaborado pelo subgrupo de Blended Finance do LAB, fórum de interação multissetorial coordenado pela ABDE (Associação Brasileira de Desenvolvimento), pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e pela CVM.
Fundos sustentáveis, um mercado trilionário
A necessidade de capital para ações de transição gera interesse cada vez maior nos fundos sustentáveis – que têm objetivo sustentável ou incorporam ativos com critérios ESG (ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês). Eles oferecem aos investidores a oportunidade de alinhar a sustentabilidade com objetivos financeiros e incentivam práticas sustentáveis nas empresas e no mercado de capitais.
No final de 2020, a quinta edição do relatório bianual da GSIA (Global Sustainable Investment Alliance) relatava que os ativos ESG globais já somavam US$ 35,3 trilhões. É um crescimento importante se comparado aos valores de 2018 (US$ 30,6 trilhões) e de 2016 (US$ 22,8 trilhões), reportados pela GSIA nos relatórios anteriores. Usando os números da GSIA como ponto de partida, a Bloomberg Intelligence estimou em US$ 41 trilhões a soma dos ativos ESG em 2022 e projeta que, em 2025, eles vão ultrapassar US$ 50 trilhões, representando mais de 1/3 de todos os ativos globais naquele ano.
O Morgan Stanley Institute for Sustainable Investing lançou seu relatório do primeiro semestre de 2023, demonstrando que os fundos de ativos ESG geraram retornos médios de 6,9%, superando os fundos tradicionais que, no mesmo período, geraram retornos de 3,8%.
O Brasil, segundo a consultoria NINT, tem o maior mercado de dívida ESG da América Latina, com mais de R$ 230 bilhões captados desde 2015,
A "bioeconomia de mercado", como relata o economista Célio Fernando Melo, é uma revolução em curso porque inclui novos protagonistas, como ciência e tecnologias inovadoras, e revela novos entrantes no mercado de capitais. A bioeconomia, argumenta Gustavo Soares, pesquisador do Grupo de Estudos em Bioeconomia da Escola de Química da UFRJ, pede novos instrumentos de financiamento com foco sustentável, como:
- Títulos verdes (green bonds): títulos emitidos por governos, empresas ou instituições financeiras para financiar projetos com benefícios ambientais claros, como energia renovável (solar, eólica, hidrelétrica ou outras formas de energia limpa), eficiência energética, transporte limpo e conservação da água.
- Títulos azuis (blue bonds): instrumento para financiar projetos e iniciativas relacionados à conservação e uso sustentável dos oceanos e recursos marinhos. Esses títulos são geralmente emitidos por governos, organismos multilaterais ou instituições financeiras.
- Ações de empresas sustentáveis: que adotam práticas e políticas sustentáveis em áreas como redução de emissões de carbono, diversidade e inclusão e responsabilidade social corporativa.
- Fundos de investimento sustentável: fundos mútuos ou ETFs (Exchange-Traded Funds) que agrupam ativos sustentáveis em uma carteira diversificada, governados por critérios de sustentabilidade.
- Imóveis sustentáveis: investimentos em imóveis que incorporam práticas de construção e operação sustentáveis, como edifícios verdes certificados que consomem menos energia e água.
- Certificados de energia renovável: representam a produção de eletricidade a partir de fontes de energia renovável, como painéis solares e turbinas eólicas.
- Títulos de carbono (carbon bonds): emitidos por governos, empresas ou instituições financeiras para financiar iniciativas que visam a redução das emissões de carbono ou a adaptação às mudanças climáticas.
- Tecnologia ambiental: Investimentos em empresas que desenvolvem tecnologias para mitigar problemas ambientais, como tratamento de água, reciclagem de resíduos e monitoramento da qualidade do ar.
A autorregulação avança
A atratividade dos ativos ESG exige mais escrutínio dos reguladores e do mercado (autorregulação) para evitar o greenwashing (uso de termos relacionados à sustentabilidade de forma enganosa ou imprecisa para atrair investidores) e garantir um conjunto de instrumentos adequados para a gestão de risco e educação do mercado.
Entraram em vigor, na União Europeia, no Reino Unido, na França, na Suíça, em Hong Kong, em Singapura, nos Estados Unidos e no Japão, as primeiras regulações e consultas voltadas para identificar corretamente ativos ESG e para assegurar um fluxo de informações sobre essas questões em fundos.
Um arcabouço robusto de educação e regras vem sendo criado na autorregulação do mercado de capitais aqui pela ANBIMA desde 2016. Nossos esforços envolveram uma pesquisa com gestoras de recursos, bancos, corretoras e distribuidoras para conhecer o grau de entendimento e maturidade do mercado brasileiro, a criação de guias ESG para orientação dos investimentos e a criação de critérios e regras para a identificação de fundos de investimento sustentáveis.
- Desde janeiro de 2022, as instituições financeiras devem identificar fundos com objetivo/mandato de investimento 100% sustentável. Esses fundos levam o sufixo IS (Investimento Sustentável) no nome e nenhum investimento pode comprometê-lo.
- Também são reconhecidos os fundos que integram aspectos ESG na gestão, mas não têm o investimento sustentável como objetivo principal. Estes não podem usar o sufixo IS. Mas podem utilizar a frase “esse fundo integra questões ASG em sua gestão” nos materiais de venda.

Em 2021, a terceira edição da Pesquisa de Sustentabilidade da ANBIMA mostrou que o tema ganhou mais relevância (avaliado com notas de 7 a 10 em escala de importância para 86% dos entrevistados) e deve ganhar tração em breve (indicado por 90% dos respondentes). Apesar de heterogêneo, é possível identificar que o mercado caminha para uma evolução (gráfico acima).
Em dezembro de 2022, a Resolução 175, emitida pela CVM, trouxe o novo arcabouço regulatório para fundos de investimento, incluindo questões ESG e de uso de créditos de carbono, em linha com os esforços da ANBIMA.
Para o seu radar
- Qual o grau de maturidade da sua instituição em práticas ESG? A íntegra da pesquisa da ANBIMA traça um panorama inédito de como a sustentabilidade é vista e tratada no mercado de capitais brasileiro.
- O Relatório sobre Clima e Desenvolvimento para o País (CCDR), lançado pelo Grupo Banco Mundial, examina as implicações das mudanças climáticas e das ações climáticas para os objetivos, as prioridades e os caminhos de desenvolvimento do Brasil.
- Vale conferir: o Sustainability Yearbook 2023, da S&P Global, que avaliou os dados de 7,8 mil empresas a partir de critérios do CSA (Corporate Sustainability Assessment) para elaborar seu ranking ESG com 712 corporações globais.
- O custo de não agir rápido: A CFLI (Climate Finance Leadership Initiative) estima em US$ 470 bilhões as perdas globais dos últimos dois anos provocadas pela crise climática. E um relatório recente da Deloitte projeta perdas de US$ 178 trilhões até 2070, se nada for feito.