Na maior parte dos casos, países desenvolvidos ou de maior renda participam dos BMDs como acionistas, com poder de voto proporcional à sua participação acionária nessas instituições. Em geral, esses países não são mutuários, ou seja, não são elegíveis para receber os financiamentos concedidos pelos BMDs. Os mutuários frequentemente são países em desenvolvimento ou de menor desenvolvimento relativo, com cotas menores na composição dos BMDs. Via de regra, são nações com dificuldade de acesso aos mercados de capitais e altos níveis de endividamento, o que limita o espaço fiscal para o enfrentamento das mudanças climáticas.
A posição conjunta defendida pelo Brasil, Espanha e África do Sul – países que sediarão os três grandes eventos globais nos quais esse tema está no centro da agenda – é uma reforma que alivie a dívida de países de menor renda com essas instituições financeiras globais e também promova mecanismos de financiamento inovadores.
Na 4ª Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que reunirá lideranças globais de países e do setor financeiro em Sevilha, na Espanha, entre 30 de junho e 3 de julho, Brasil, Espanha e África do Sul pretendem garantir compromissos para uma cooperação financeira internacional mais forte em favor do desenvolvimento sustentável.
Para isso, defendem melhor tributação da riqueza global, a mobilização de recursos internos e uma recanalização dos Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês) – uma reserva internacional de ativos criada pelo FMI em 1969 para suplementar as reservas oficiais dos países membros, uma espécie de cheque especial em moedas fortes. Essa ideia de direcionar os recursos de SDR para o financiar o enfrentamento da crise climática vem sendo defendida pela própria ONU desde 2021, no pós-Covid.
Por que essa reforma pode melhorar o financiamento climático global?
Um estudo do CPI (Climate Policy Initiative) publicado em janeiro de 2025 aborda a necessidade urgente de mobilizar capital para a transição verde, especialmente em mercados emergentes, em um ambiente internacional caracterizado por regras contábeis que limitam a capacidade de empréstimos dos BMDs, avaliações de risco conservadoras e o papel da geopolítica na disponibilidade de garantias.
Esse estudo, elaborado por quatro analistas do Global Innovation Lab for Climate Finance e do FiCS Lab, ligado ao BID, discute o impacto das regras contábeis dos BMDs para inclusão de garantias em seus balanços. Além de limitarem a concessão de novos empréstimos públicos ao ocuparem muito espaço no balanço, regras complexas e onerosas podem desencorajar o uso de garantias e limitar a mobilização de capital privado para projetos climáticos.
Como essa reforma da arquitetura financeira global se relaciona com o mercado de capitais?
A estimativa do CPI é que o volume de financiamento climático global precisará aumentar cinco vezes para alcançar a meta de manter o aquecimento global limitado a 1,5ºC, como prevê o Acordo de Paris. Para fechar essa lacuna, é fundamental aumentar o financiamento climático, tanto público quanto privado.
Para mobilizar capital privado para projetos climáticos, as garantias são essenciais para reduzir o risco e tornar os projetos mais atraentes e viáveis para os investidores. Se as regras são muito complexas ou onerosas, isso pode desencorajar o uso de garantias, que são ferramentas importantes para mitigar riscos e atrair capital privado.
Mercados emergentes e economias em desenvolvimento enfrentam desafios particulares na obtenção de financiamento climático, já que a percepção de maior risco aumenta o papel das garantias. Se as regras contábeis dos BMDs dificultam o uso de garantias, prejudicam ainda mais o fluxo de financiamento para esses países.
O que pode ser feito e quais são os obstáculos à reforma?
Uma das recomendações do estudo do CPI é revisar essas regras, criar produtos de garantia ou simplificar os processos de aprovação dos financiamentos. Isso pode incluir tornar os processos de garantia mais simples, expandir apoio técnico para projetos verdes, reduzir custos e taxas de garantias, estender prazos de garantias para alinhar com projetos de longo prazo e fomentar a colaboração entre setores público e privado.
Para isso, seriam necessárias mudanças institucionais e políticas dentro das instituições do sistema Bretton Woods. Entre os BMDs, alguns já vêm fazendo ajustes internos: o BID, por exemplo, aprovou em 2024 uma nova Estratégia Institucional com foco em projetos de impacto que promovam o desenvolvimento sustentável nas economias da América Latina e Caribe.
O diretor executivo do FMI no Brasil, André Roncaglia, defende que é urgente reformar o FMI e o Banco Mundial para aprofundar e fortalecer o multilateralismo. O desafio, porém, está em obter um consenso entre os países no atual contexto de incertezas econômicas e geopolíticas.
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