Congresso 2020: para o Nobel de Economia, Richard Thaler, a educação financeira ajuda as pessoas a lidarem com o dinheiro, mas, sozinha, não transforma o comportamento
A educação financeira como parte do ensino fundamental pode ajudar as pessoas a lidarem com o dinheiro, mas não consegue, sozinha, transformar o comportamento humano. A avaliação é de Richard Thaler, ganhador do Prêmio Nobel de Economia e estudioso da economia comportamental, durante painel no Congresso Brasileiro de Mercado de Capitais, evento organizado pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados FInanceiro e de Capitais) e pela B3, nesta segunda-feira (23). O evento vai até sexta-feira (27).
Segundo o especialista, pesquisas apontam que, após dois anos de um programa de educação, o conhecimento pode ir se perdendo. E brinca: “O quanto você lembra da matéria de química que teve no ensino médio?”. Por isso, ele não é otimista quando pensa que uma aula na adolescência irá ensinar as pessoas, de fato, a economizar para a aposentadoria ou a evitar dívidas no cartão de crédito.
Para Thaler, devemos educar, mas o mantra é “se você quer que as pessoas façam algo, faça isso ser fácil”. Ou seja, é preciso ter ferramentas que contribuam para a tomada de decisões. Ele sugere, por exemplo, deduções automáticas do salário de uma pessoa quando o objetivo é poupar para a aposentadoria.
O Nobel de Economia considera que a tecnologia será uma grande aliada das finanças pessoais. A facilidade trazida pelos aplicativos até pode gerar um impulso para se gastar mais. Mas esses aplicativos não são necessariamente ruins – as carteiras digitais, por exemplo, podem ajudar a exercer o autocontrole.
Como exemplo, ele cita a empresa de um dos seus ex-alunos que ajuda as pessoas a lidarem com o cartão de crédito: ela administra e paga as faturas em troca de uma pequena taxa. “Acredito que a tecnologia vai ajudar as pessoas a terem mais controle das suas finanças”, diz. Segundo ele, qualquer que seja o seu capricho, como a compra de sapatos ou de vinho, a tecnologia vai avisar que você já gastou demais naqueles itens e contribuirá para controlar os gastos.
Aquiles Mosca, presidente do Grupo Consultivo de Educação de Investidores da ANBIMA, que moderou o painel, questionou Thaler se a pandemia da Covid-19 poderia estimular uma mudança de comportamento em relação à economia de recursos. “Estudo da ANBIMA mostra que 56% dos brasileiros não tinham nenhuma economia quando a pandemia começou. Não estavam preparados para uma crise desta magnitude, com alto desemprego e receita em queda”, cita o executivo.
Thaler concorda que um dos aspectos trágicos da pandemia é que ela atingiu com mais força os mais pobres, mas não acredita que as pessoas vão economizar dinheiro devido ao que aconteceu. E ressalta: o único jeito de ajudar as pessoas a construírem um pé de meia é deixar isso fácil e automático.
Ao falar sobre a mudança de perfil dos investidores brasileiros, Mosca lembrou que a B3 viu o número de investidores pessoa física em produtos de renda variável dobrar nos últimos 12 meses. Para ele, a redução da taxa de juros levou muitos brasileiros a buscarem opções de investimentos com maior retorno.
Olhando para os Estados Unidos, Thaler comentou que também houve um aumento exponencial no número de investidores da bolsa. Mas ele questiona se isso foi realmente motivado pela baixa dos juros.
Para o especialista, esse movimento pode ter outras duas explicações. Durante a crise, muitas corretoras zeraram suas taxas de negociação: o fato dessas movimentações serem de graça pode ter atraído os investidores a operarem mais na bolsa. Outra razão seria que, por estarem em casa durante o isolamento social, as pessoas podem ter substituído as apostas que faziam em outras áreas (como jogos e esportes) para as finanças.
“Há uma mudança no que as pessoas estão apostando, mas é necessário muito cuidado, porque resultados bons nos últimos seis meses não te tornam um gênio dos investimentos. Você será um gênio se souber a hora de vender”, afirma.
A indicação de Janet Yellen, ex-presidente do FED (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos), para o cargo de secretária de Tesouro do governo do presidente Joe Biden, nos Estados Unidos, foi comemorada por Thaler. “Essa mudança será muito bem-vinda em relação aos últimos quatro anos. O mercado deveria respirar aliviado.”
Para finalizar sua participação no evento, sugeriu dois livros que leu durante o isolamento social causado pela pandemia: “A regra é não ter regras”, primeiro livro escrito por Reed Hastings, CEO da Netflix, e de Erin Meyer, e o livro do ex-presidente Barack Obama, “Uma terra prometida”. “Se você entende bem o inglês, vale a pena o áudio livro com a voz do próprio Obama”, disse Thaler.
Programação de hoje
Mais dois painéis discutem hoje temas importantes do cenário brasileiro. As 18h, o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida e o diretor executivo para as Américas da Eurasia Group, Christopher Garman, debaterão os rumos políticos do país.
Já as 19h15, um painel com Martha Seillier, da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos, e Luiz Simões Lopes, vice-chairman da Brookfield Asset Management, debaterá os principais desafios para a infraestrutura. Inscreva-se para acompanhar.
A ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) representa mais de 300 instituições de diversos segmentos. Dentre seus associados, estão bancos comerciais, múltiplos e de investimento, asset managements, corretoras, distribuidoras de valores mobiliários e consultores de investimento. Ao longo de sua história, a Associação construiu um modelo de atuação inovador, exercendo atividades de representação dos interesses do setor; de autorregulação e supervisão voluntária e privada de seus mercados; de distribuição de informações que contribuam para o crescimento sustentável dos mercados financeiro e de capitais; e de educação para profissionais de mercado, investidores e sociedade em geral.