A crise da FTX e o futuro das DeFi
A crise financeira provocada pela falência da exchange FTX e da Alameda Research , ambas criadas e controladas pelo "ex-boy genius " Sam Bankman-Fried (SBF), gerou ondas sísmicas por todo o mercado cripto , e rendeu muitos memes, como o que ilustra esse texto.
O valor total dos prejuízos continua sendo apurado pelo novo CEO nomeado para a FTX, o veterano John J. Ray II I (o mesmo que cuidou do estrago da Enron), mas pode passar de US$ 2 bilhões. No pedido oficial de falência da FTX, Ray escreveu que nunca em sua carreira "viu uma falha tão completa de controles corporativos e uma ausência tão completa de informações financeiras confiáveis como ocorreu aqui".
Em um mundo em que a palavra trustless é praticamente uma bandeira, SBF provocou uma tsunami. Trustless, nas Finanças Descentralizadas (DeFi), significa que não é necessária a mediação de uma terceira parte - banco, instituição financeira ou operador - para que um pagamento ou uma operação financeira ocorra entre duas partes. A quebra de confiança gerada pela FTX não pode ser atribuída a nenhuma falha do core dos protocolos DeFi. E foi nessa direção que defensores ferrenhos das Finanças Descentralizadas correram nas últimas semanas.
“Ouvi várias pessoas sugerindo que eu deveria revisar meu livro [DeFi and the Future of Finance ] porque o fracasso da FTX significava o fim das finanças descentralizadas”, escreveu o professor de finanças da Duke University, Campbell Harvey, um dos maiores especialistas e defensores das DeFi. “Exchanges, como FTX e Binance, são centralizadas [CEX]. Os investidores confiam nelas para cuidar de seus tokens. Embora elas negociem também tokens descentralizados, elas não são DeFi”, afirma Harvey.
Sam Bankman-Fried, argumenta o professor da Duke, montou uma CEX offshore, para fugir do escrutínio regulatório nos EUA. “A FTX estava usando fundos de clientes para resgatar uma entidade relacionada [Alameda]. Em jurisdições regulamentadas, isso é fraude de valores mobiliários”, crava Harvey.
O historiador econômico norte-americano, Dror Poleg, que tem longa carreira como executivo de private equity imobiliário e empreendedorismo em tech, correu para analisar a debacle da FTX e suas consequências para as DeFi, chegando a conclusões muito semelhantes às de Campbell Harvey. “Os detalhes da história ainda estão vindo à tona. Mas parecem incluir uma mistura inebriante de fraude, má governança e pirâmide clássica”, escreve Poleg.
“A FTX é o oposto de tudo o que cripto é ou deseja ser. A empresa e sua plataforma operavam de forma muito semelhante a uma instituição financeira tradicional, mantendo decisões ocultas até mesmo de seus maiores investidores. Baseava-se na confiança tradicional: seus clientes e investidores lhes davam dinheiro porque confiavam em sua equipe administrativa”.
Como olhar DeFi à luz do fiasco FTX
Ponto para as DEX: Tanto Harvey quanto Poleg citam o protocolo Uniswap como exemplo de exchange descentralizada (DEX), que funciona no modo trustless verdadeiro. Se a FTX fosse DeFi, SBF não teria conseguido fazer os malabarismos que fez com dinheiro alheio. Nas DEX, todas as negociações são geridas por um algoritmo, de código, aberto, sem dono e disponível abertamente na blockchain Ethereum . A liquidez é garantida por quem tem os ativos e quer colocar seu dinheiro para trabalhar, recolhendo taxas em troca disso. “Vejo a liquidez e vejo o preço 24/7. Uma DEX não tem contraparte central. Eu interajo diretamente com o algoritmo. Isso é DeFi”, escreve Harvey.
O caminho, para as CEX: regulamentação. “O atual ambiente regulatório e a incerteza sobre a regulamentação futura nos EUA levaram muitas exchanges a operar fora do país. Hoje, mais de 90% das negociações foram transferidas para o exterior, em um ambiente não regulamentado, aumentando o risco do investidor. As exchanges norte-americanas estritamente regulamentadas, como a Coinbase, provavelmente serão as vencedoras como resultado do fim da FTX”, diz Harvey.
DeFi, sem riscos? Não existe, ainda, argumentam Vivek Ramaswamy, presidente executivo da Strive Asset Management, e Mark Lurie, CEO da Shipyard Software, especializada em DeFi, em um artigo no The Wall Street Journa l. “Mas o código fica mais forte a cada dia, em parte devido a essas cicatrizes de batalha. Os principais protocolos, como MakerDAO, Compound e Clipper, detêm mais de US$ 15 bilhões, e seus fundos de usuários nunca foram hackeados”.
Mas vai só na fé? “As DeFi estão cheias de experimentos para encontrar novas maneiras de fazer isso. Também existem experimentos para fraudar as pessoas. Mas a tragédia será agravada se jogarmos fora tudo o que aprendemos até agora e nos concentrarmos na aplicação de velhas soluções a um mundo completamente novo”, afirma Poleg.
E o que aprendemos? “Qualquer nova tecnologia enfrenta solavancos na estrada. Podemos escolher seguir esse caminho - ou não. Devemos pesar os custos em relação aos benefícios, e os benefícios potenciais das DeFi são vastos. Aposto no modelo de inclusão financeira e democracia financeira. Espera-se que o fiasco do FTX encoraje mais pessoas a considerar alternativas descentralizadas”, escreve Harvey.
Para o seu radar
No dia 30, Sam Bankman-Fried participou via videoconferência do DealBook Summit, evento organizado pelo jornalista Andrew Ross-Sorkin, do The New York Times. A entrevista completa você assiste aqui . A transcrição pode ser lida aqui .
A crise da FTX abriu uma corrida por transparência entre os players da criptoeconomia. Uma das novidades é o índice CEX Transparency, lançado pelo DeFi Llama . O painel mostra o TVL (Total Value Locked) dos depósitos dos usuários nas exchanges centralizadas, excluindo o valor dos ativos digitais emitidos por elas mesmas.
A “cegueira” dos VCs no escândalo FTX é um dos colaterais mais polêmicos até agora. SBF foi capaz de levantar mais de US$ 1 bilhão junto a empresas de capital de risco muito conhecidas. Charlie Kerrigan, especialista em criptoeconomia, sócio da empresa inglesa de advocacia CMS London, acredita que o viés da “aversão à perda” , ao contrário, falou mais alto: VCs sofrem de ansiedade por não entrar em mercados para onde todo mundo está correndo.
Vale ler, um trecho inédito da atualização do livro Token Economy , da especialista em Web3 e DeFi, Shermin Voshmgir, que explica “tim-tim por tim-tim” o que é DeFi e para onde vai isso tudo. “Devido ao colapso da FTX e da Alameda Research, decidi pré-publicar uma seção sobre DeFi da terceira edição do livro. Estou convencida de que a educação é a chave para uma discussão mais sutil sobre o que é o DeFi, por que o Web3 não falhou e o que precisa ser abordado antes que possam ser adotados pelo mercado em massa”.