
Há um novo blueprint corporativo sendo desenhado e, desta vez, a mudança não é gradual. Com a consolidação da inteligência artificial, as empresas começam a ser redesenhadas a partir de uma lógica estrutural distinta — um modelo corporativo que vem sendo chamado de AI First.
A Microsoft descreve essas organizações como frontier firms, ou empresas de fronteira. Em ambos os casos, o diagnóstico é o mesmo: em dois a cinco anos, companhias que não revisitarem sua cultura, suas decisões, seus produtos e suas estruturas de colaboradores estarão em desvantagem competitiva.
Para entender a pressa, é preciso olhar o contexto. "Imagine, por um momento, como a sua próxima semana seria diferente se não houvesse internet. Na próxima década ou duas, pensar em um mundo sem IA será provavelmente o mesmo", diz Mary Meeker, sócia do fundo de venture capital BOND e uma das vozes mais respeitadas do Silicon Valley.
Meeker, conhecida como a rainha da internet, quebrou o jejum de quatro anos dos seus disputados relatórios de tendências tecnológicas com a publicação do Trends — Artificial Intelligence (AI), um documento de 340 páginas que varre todo o espectro da mudança monumental provocada pela IA. Em entrevista ao Financial Times, Meeker é categórica: "A criação de riqueza será extraordinária. Nunca tivemos um mercado de cinco bilhões de usuários tão facilmente acessível."
Em seu relatório, ela vai mais a fundo. "A velocidade e a escala da transformação são sem precedentes, superando até a própria internet em seus anos iniciais. Pela primeira vez, o mundo inteiro embarca simultaneamente na curva de adoção de uma grande revolução tecnológica. A IA é um 'misturador' apoiado sobre a própria infraestrutura digital construída nos últimos 30 anos", escreve.
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A ruptura com o software tradicional
A IA rompe com o modelo de software corporativo. Por décadas, o software foi uma camada adicional aos negócios. Agora, a IA passa a ser o próprio sistema nervoso da organização. Ela deixa de ser uma ferramenta acessória para tornar-se a camada que conecta dados, aplicações e processos em tempo real. Como diz Bill McDermott, CEO da ServiceNow: “A IA liberta as empresas e seus colaboradores do maior inimigo da humanidade: o desperdício de tempo com ineficiências e atividades repetitivas que podem ser automatizadas.”
Esse novo modelo altera radicalmente o que entendemos por produtividade, eficiência e inovação. Não se trata apenas de ganhos incrementais, mas de um novo desenho operacional:
- Fluxos de trabalho automatizados e reconfigurados para orquestração pessoa-máquina.
- Decisões alimentadas por algoritmos que aprendem continuamente.
- Redefinição de papéis humanos para funções de supervisão, curadoria e criação de valor.
- Modelos de trabalho baseados em IA generativa como copiloto operacional.
As lideranças já estão se movendo
O Work Trend Index 2025, estudo lançado em abril pela Microsoft, dá a dimensão desse movimento:
- 82% das lideranças executivas já planejam reestruturar suas estratégias de negócios para incorporar a IA como motor principal.
- O ano de 2025 está sendo tratado como um ponto de inflexão.
- A combinação de pessoas e máquinas passa a ser vista como a nova fonte de vantagem competitiva.
O novo imperativo? Separar o estratégico do operacional, automatizar onde possível e liberar o talento humano para as decisões que exigem julgamento, criatividade e visão.
Um relatório lançado no início de junho pela PwC chamado The Fearless Future: 2025 Global AI Jobs Barometer mostra que, no Brasil, o número de vagas relacionadas à IA quadruplicou entre 2021 e 2024, saltando de 19 mil para 73 mil. Ainda segundo o relatório, as funções com forte exposição à IA têm registrado crescimento de receita por pessoa três vezes superior às áreas não expostas. "AI Agents estão entregando ROI (return on investment) em semanas e redesenhando modelos operacionais em meses", aponta a consultoria.
O estudo Generative AI Adoption Index realizado no Brasil pela Amazon Web Services (AWS) em parceria com a Access Partnership revela um cenário transformador nas empresas brasileiras: 93% das organizações nacionais já iniciaram a exploração de ferramentas de Gen AI (inteligência artificial generativa) e 89% conduzem experimentos ativos com a tecnologia.
Esse movimento, segundo o estudo, tem implicações sobre os processos de treinamento e recrutamento de pessoas para a implementação de larga escala da tecnologia. Atualmente, segundo a AWS, seis em cada 10 organizações pesquisadas no Brasil já desenvolveram planos de treinamento em IA generativa, com mais 26% planejando desenvolver um até o final de 2025.
O que é, na prática, ser AI First
O movimento AI First não é um modismo, e sim um divisor de águas. As empresas que souberem reposicionar cultura, processos, pessoas e tecnologia estarão na linha de frente. As demais correrão para recuperar terreno. Como sintetiza Meeker, "estamos migrando de uma IA reativa para uma IA proativa, capaz de antecipar necessidades e redistribuir trabalho cognitivo de maneira sem precedentes".
As empresas AI First não estão apenas testando a IA em projetos isolados. Elas:
- constroem arquiteturas de dados robustas e integradas;
- incorporam IA nos fluxos de decisão e execução cotidiana;
- redesenham funções e requalificam profissionais para novas funções de curadoria e supervisão dos modelos;
- desenvolvem fluxos de trabalho orientados por agentes de IA generativa;
- colocam a experimentação contínua como prática de negócio.
Empresas de tecnologia como Microsoft, Google, ServiceNow, Salesforce, Amazon já operam nesse modelo. Mas players de setores tradicionais, como os mercados financeiro e de capitais, começam a avançar agora. De qualquer forma, é importante manter no radar que não se trata de usar IA em tudo. Trata-se de redesenhar o próprio modelo de produção de valor em torno das possibilidades e limites da tecnologia.
Nos mercados financeiro e de capitais, a lógica AI First já começa a se materializar por meio de:
- Modelos de análise preditiva de riscos e compliance algorítmico;
- Sistemas de gestão de portfólios com personalização dinâmica por IA generativa;
- Forecasting econômico e de ativos com modelos de aprendizado multivariáveis;
- Automação de rotinas fiduciárias e backoffice operacional;
- Comitês de governança algorítmica supervisionando decisões automatizadas.
A fronteira de adoção nesse setor se traduz diretamente em vantagem de custo, velocidade de decisão e geração de alpha.
Os 5 Movimentos Estratégicos para se Tornar AI First
- Reprojetar processos com IA no centro.
Redesenhar fluxos de trabalho considerando desde o início o que pode ser automatizado, otimizado ou ampliado por IA.
- Treinar, treinar, treinar.
Transformar fluência prática em IA — não apenas teórica — em política central de desenvolvimento de talentos e critérios de desempenho.
- Construir arquiteturas de dados robustas.
Garantir governança de dados, integração em tempo real e segurança como pré-requisitos para escalar soluções de IA.
- Redefinir governança corporativa.
Estabelecer comitês de supervisão algorítmica e políticas claras de uso ético e seguro da IA em decisões críticas.
- Testar rápido e ajustar em movimento.
Adotar uma cultura de experimentação contínua, aprendendo em ciclos curtos e incorporando rapidamente novos aprendizados organizacionais.
Relatórios que precisam entrar no seu radar
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