Transição ecológica e mercado de carbono esquentam a pauta de 2023

Duas iniciativas do governo brasileiro ligadas à crise climática vão esquentar as conversas e as pautas corporativas no segundo semestre de 2023. A primeira – o Plano de Transição Ecológica, em elaboração pelo Ministério da Fazenda, liderado por Fernando Haddad – prevê um conjunto de mais de 100 ações, distribuídas por seis eixos, a serem implementadas ao longo de quatro anos, com foco na economia de baixo carbono e suas potencialidades para a economia brasileira. O plano deve ser anunciado oficialmente em agosto. Para Haddad, "pode ser a grande marca do governo".
A segunda iniciativa é a regulação do mercado de carbono na forma de um projeto de lei que visa garantir a integridade e a verificação padronizada dos créditos de carbono comercializados no país. O PL é resultado de um trabalho conjunto entre os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); Fazenda, Agricultura e Pecuária; e Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. “O Brasil quer ser o endereço dos créditos mais íntegros. Nós estamos liderando uma agenda para em breve encaminhar para o congresso, respeitando as iniciativas que já estão tramitando no Congresso, um projeto de lei fazendo essa regulação”, disse a ministra Marina Silva, do MMA, durante apresentação na Febraban Tech em junho.
Transição ecológica em seis eixos
O Plano de Transição Ecológica terá ações distribuídas em seis eixos: finanças sustentáveis, bioeconomia, transição energética, adensamento tecnológico, nova infraestrutura verde e economia circular. Confira abaixo o gráfico elaborado pelo jornal Valor Econômico.

No final de julho, o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade que reúne mais de 100 grupos empresariais do país responsáveis por 47% do PIB, entregou a Fernando Haddad um documento com recomendações para o plano que abrange os seis eixos do "pacote verde". "Pela primeira vez, a sustentabilidade é colocada de forma tão transversal na agenda de governo, com pelo menos 17 dos 37 ministérios planejando ações com esse olhar", escreve a presidente do CEBDS, Marina Grossi, no prefácio do documento.
O mercado regulado de crédito de carbono é um dos componentes principais do eixo "finanças sustentáveis", que também inclui os títulos sustentáveis (green bonds) a serem lançados no mercado externo pelo Tesouro Nacional ainda este ano; a taxonomia verde, um sistema de classificação de atividades econômicas conforme seus impactos socioambientais e climáticos; e regras tributárias e contábeis para o mercado voluntário de carbono.
Mercado de carbono regulado
O projeto de lei para a regulamentação do mercado de carbono elaborado pelo governo tem linhas gerais já prontas para serem enviadas para a Câmara. Não é a única proposta, já que tramitam pelo menos outros sete projetos que estariam prontos para votação em plenário. O empenho do governo é ter o PL aprovado até a COP 30, que acontece em Belém do Pará em 2025.
A regulamentação cria o Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões e define o modelo ‘cap and trade’ (tetos de emissão que vão caindo progressivamente), mirando as empresas que emitem a partir de 25 mil de toneladas de carbono por ano. Em audiência na Frente Parlamentar Mista de Recursos Naturais e Energia, realizada no Senado, o secretário de Economia Verde e Descarbonização do Ministério do Desenvolvimento, Rodrigo Rollemberg, disse que empresas acima desse teto passariam a ser reguladas e receberiam cotas de emissão a serem cumpridas. "Aquelas que emitirem mais teriam que compensar dentro do mercado regulado ou em parte do mercado voluntário", explicou.
Um dos efeitos colaterais do PL será possivelmente reduzir ou dissipar as desconfianças sobre a validade e confiabilidade dos créditos de carbono comercializados no mercado voluntário: vendedores precisam provar que estão entregando as reduções de gases de efeito estufa e compradores precisam assegurar que seus relatórios de neutralidade são fundamentados. Vale ler esse especial da Capital Reset que disseca o problema.
Impacto para o mercado de capitais
O tema do mercado de carbono é recente para o mercado de capitais em geral, mas vem sendo discutido em um grupo específico na ANBIMA, desde 2021. O grupo reúne as principais instituições financeiras associadas, muitas das quais já atuam em jurisdições que possuem mercado de carbono voluntário e regulado e que trouxeram suas experiências para a conversa.
O mercado de capitais entra nessa pauta como um provedor de liquidez. As instituições financeiras poderão atuar como intermediadoras, facilitando compradores a encontrarem créditos, podendo fomentar projetos de neutralização de carbono por meio de diferentes instrumentos financeiros, como garantias, crédito, empréstimos e mecanismos de gestão e redução de risco. Fundos também poderão investir nesses ativos (conforme a recém-publicada Resolução CVM 175) e, de modo geral, a precificação das emissões das companhias afetará como investidores olham para a atuação das companhias em que investem.
De que tamanho de mercado estamos falando? Segundo estimativas da Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono, um coletivo de grandes empresas e entidades do mercado brasileiro, entre elas a B3, com coordenação de conteúdo da McKinsey, o Brasil pode ser um dos maiores mercados de crédito de carbono do mundo, capaz de gerar até 15% da oferta global. Superamos países como Peru (4%) e Estados Unidos (3%). O potencial do mercado é de até US$ 26 bilhões ao ano.
Para o seu radar
- Cúpula da Amazônia 1: depois de dois dias de encontro, lideranças dos oito países que compõem a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) assinaram a Declaração de Belém, com 113 parágrafos operativos, sobre 18 temas. Entre outras coisas, cobram investimentos que podem chegar a US$ 200 bilhões por ano dos países industrializados para medidas de combate à crise climática e proteção à biodiversidade.
- Cúpula da Amazônia 2: o documento, no entanto, recebeu críticas por não espelhar uniformidade de metas conjuntas entre os signatários.
- Para entender a bioeconomia: vale ler o documento elaborado pelo WRI Brasil (World Resources Institute) sobre tendências de bioeconomia inovadora para a Amazônia, e o estudo sobre a NEA (Nova Economia da Amazônia), que pode injetar US$ 40 bilhões anuaisno PIB da Amazônia Legal em 2050
- A transição ecológica deverá criar oportunidades de US$ 10,3 trilhões para a economia global até 2050, segundo um relatório da Arup e da Oxford Economics.
- Levar o mundo para um novo modelo econômico net-zero pode custar o equivalente a US$ 275 trilhões até 2050, estima a McKinsey,modificando drasticamente as práticas de consumo, manufatura e produção que hoje são recorrentes.
- Mercado de capitais brasileiro e as mudanças climáticas: confira o relatório elaborado pelo CDP (organização sem fins lucrativos que busca mobilização em prol de ações que mitiguem os impactos das mudanças climáticas).