Manutenção de juros baixos depende de política fiscal
Economistas consideram que avanço das reformas permitiria as taxas sob controle, maior estabilidade e um ambiente de negócios mais propício para investimentosO baixo patamar dos juros brasileiros está começando a alterar o cenário de investimentos do país. Mas será que é possível manter a taxa Selic nesse nível? Para isso acontecer, o que precisa ser feito? E, dado que seja possível, o que precisamos fazer para o país voltar a crescer? Essas questões foram debatidas em painel hoje do 10º Congresso ANBIMA de Fundos de Investimento, na tarde desta quarta-feira, 24. A conversa foi mediada por Patrícia Herculano, da ANBIMA.
Quanto à primeira pergunta, houve unanimidade: todos os participantes consideram que sim, há condições para manter os juros em patamares baixos por mais tempo. “Os juros devem ficar em 6,5% por período muito prolongado”, considerou Rodrigo Azevedo, da Ibiúna Investimentos. Ele embasa a sua opinião nos seguintes fatores: o governo sinaliza que pretende manter uma política fiscal mais contracionista (com o teto de gastos e a revisão das antigas políticas de crédito subsidiado) e a elevada capacidade ociosa permite que a economia volte a se expandir sem gerar inflação. Além disso, há ancoragem nas expectativas de inflação: “É muito difícil haver aceleração inflacionária num horizonte próximo, o que permite a manutenção dos juros baixos”, disse.
Fernando Honorato (ANBIMA e Bradesco), Felipe Tâmega (Itaú Asset Management), Ana Paula Vescovi (economista e ex-Ministério da Fazenda), Rodrigo Azevedo (Ibiuna Investimentos) e Patrícia Herculano (ANBIMA)
Esse cenário, no entanto, precisa ser sustentado pela política fiscal, consideraram os participantes. Ana Paula Vescovi, economista e ex-secretária-executiva do Ministério da Fazenda, disse que ainda há um desafio para se chegar a uma taxa de juros inferior no longo prazo: “Precisamos empreender o ajuste fiscal, pois a dívida pública cresceu muito e é necessário equacioná-la. Esse não é um ajuste pequeno, é da ordem de 4% do PIB”, afirmou. A reforma da previdência seria o primeiro passo, uma vez que, sem ela, será impossível o governo cumprir com o teto de gastos.
Fernando Honorato, da ANBIMA e da Bradesco Asset Management, citou outros fatores que podem contribuir para dar sustentabilidade às taxas: “como a nossa economia é fechada, isso impede que os preços locais sejam disciplinados pelos preços vindos de fora. E a agenda de reordenação do Estado, que passa pela reforma tributária e pelas privatizações, pode permitir que o país se torne mais competitivo e cresça pelo lado da oferta, fazendo com que pressões inflacionárias não sejam relevantes”, afirmou. Ele estima que os juros de longo prazo podem cair 300 pontos-base se as reformas forem viabilizadas.
A agenda microeconômica, que visa o aumento de produtividade no país, também teria efeitos importantes para dar sustentabilidade às taxas baixas, considerou Felipe Tâmega, da Itaú Asset Management: “A grande mensagem é: não há mágica, os juros não ficam baixos por voluntarismo”. Tâmega estima que os juros neutros brasileiros são relativamente elevados, da ordem de 4% a 4,5% reais.
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E o crescimento?
Nos últimos três anos, os economistas tiveram as suas projeções de crescimento econômico frustradas. “O setor privado ainda não está pronto para crescer por conta da sustentabilidade de longo prazo da dívida. Falta também um impulso da demanda, que não vem do setor externo, nem do governo, nem do investimento”, considerou Honorato. O que poderia ser feito para que o país volte a se expandir? Para ele, a alavanca que destravaria o crescimento de curto prazo é o juro, que pode cair se a reforma da previdência for aprovada. No longo prazo, apenas outras reformas poderão sustentar a expansão econômica.
Já Azevedo considera que os juros não devem cair, mesmo com a aprovação da reforma, e que há algo além das taxas para explicar por que o país reluta em avançar. “Antes se dizia que o Brasil não crescia porque os juros eram altos. Mas eles caíram de 14% para 6,5% e o crescimento ainda não veio”. Para ele, a resposta está em outra frente: “O Brasil estava viciado na presença do Estado induzindo o crescimento. De repente, o modelo muda e se fala para o setor privado liderar. Mas ele viu as suas expectativas frustradas e não investiu”, afirmou Azevedo. Ele disse que as incertezas relativas ao ambiente de negócios e à própria desconfiança na continuidade do modelo adotado desde 2016 – dado que a eleição poderia trazer um candidato com outra visão para a política econômica – acabaram inibindo os investimentos. Agora, a esperança está na aprovação da reforma da previdência, que sinalizaria certa estabilidade e comprometimento com o novo modelo.
Ana Paula considera que é fundamental que o país embarque na agenda da produtividade – começando pela reforma tributária para depois debater outros pontos, como a abertura comercial. “Não adianta discutir ambiente de negócios sem discutir a reforma tributária. Se não resolvermos questões relativas e normas e tributos, não vamos conseguir resolver o problema do baixo crescimento”, considerou. Para ela, mesmo que os juros permaneçam baixos e as condições macroeconômicas sejam razoáveis, se o ambiente de negócios brasileiro não for melhorado, poucos estarão dispostos a investir e a abrir novos negócios no país.