MKBR22: Negociações fora da Bolsa ainda precisam ser aprimoradas
As novas regras editadas recentemente pela CVM, que permitem a realização de operações de compra e venda de grandes lotes de ações fora da Bolsa, ainda precisam de ajustes para evitar que a formação de preços no mercado brasileiro seja comprometida, avaliam especialista em painel do MKBR22.
Maria Helena Santana, ex-presidente da CVM, e o advogado Otavio Yazbek, ex-diretor da CVM, fazem ressalvas também a um outro mecanismo de negociação fora de bolsas de valores que começa a ser discutido no mercado brasileiro: a internalização. Neste caso, as compras e vendas são realizadas dentro das próprias corretoras, sem passar pelo mercado.
Maria Helena Santana, ex-presidente da CVM (esq.), e Otavio Yazbek, ex-diretor da CVM (dir.), participaram online do MKBR22 com a jornalista Letícia Sorg
A preocupação da ex-presidente da CVM é com a divisão da liquidez num mercado como brasileiro, onde a profundidade não é tão grande quanto em outros desenvolvidos. Ela diz que a negociação de grandes lotes de ações não afetará a pessoa física uma vez que essas operações não são normalmente realizadas por esse tipo de investidor. Mas considera um retrocesso se as compras e vendas de ações do pequeno investidor puderem ser realizadas fora de bolsas de valores.
“Acho que é uma pena que algo fragmentado possa diminuir a qualidade da formação de preço. Num mercado como nosso, que não é super profundo, esse risco é maior. Para o investidor pessoa física, o que poderia ser realmente um grande risco, seria autorizar que as ordens colocadas por ele, de papel listado, fossem negociadas sem transparência, dentro de corretoras, isso seria um retrocesso”, afirma.
Yazbek, por sua vez, classificou a internalização de ordens como um tema delicado. “Nosso mercado nasceu com modelos e estruturas diferentes do norte-americano. A internalização é da natureza da atividade do intermediário, aqui uma mudança produziria efeito que a gente ainda não tem capacidade de imaginar”, avalia. “Concorrência pode ser importante, mas tem que ter em vista a transparência e algumas conquistas que ajudaram em tempos de crise”, observa.
Yazbek entende que no caso dos grandes lotes, a medida responde a uma demanda do mercado “Eu, particularmente, acho essa operação importante, existia uma demanda do mercado para a negociação de grandes lotes em razão da ineficiência que existe hoje. Sempre que é necessário negociar um lote de maior volume, é necessário que esse lote seja dividido, que o participante negocie por alguns dias com ineficiência de preço e assunção de risco e, neste contexto, faz sentido pensar em negociação de grandes lotes”, comenta.
Ele ressalta, no entanto, que essa operação, sem outras transformações na norma, acaba criando uma situação paradoxalmente mais critica. “Ela é até mais critica para o potencial concorrência, porque ela cria para o atual incumbente uma posição mais desprotegida, de que ele poderá criar um produto antes de outros participantes que ainda não existe no mercado e poderá explorar esse produto com certas vantagens em um determinado período”, avalia.
As discussões sobre os negócios que podem ser realizados fora do ambiente de bolsas de valores não é nova no mercado mundial. Justin Schack, especialista em estrutura de mercado da Rosenblatt Securities, lembra que para os europeus a maior preocupação, já há algum tempo, é com o processo de formação de preços. “Isso precisa ter uma posição de primazia. Nós temos que incentivar o processo de formação de preços nos mercados públicos”, diz.
Nos Estados Unidos, Schack explica, pode haver uma regulamentação mais rígida. “Eu acho que existe uma possibilidade de haver um novo pacote de regras. Eu acho que uma motivação importante para isso é lidar com a questão do equilíbrio entre operações realizadas na Bolsa e fora da Bolsa. Talvez, deslocar algum volume de negócios de volta para ser realizado na Bolsa. Mas é difícil dizer se o plano vai ser bem-sucedido antes de conhecermos os detalhes”, pondera.
Ele lembra que o Brasil tem um mercado muito menor do o que o dos EUA, da Europa ou mesmo da Austrália e, portanto, é necessário ser mais conservador e ter regulamentações mais rígidas para proteger o processo de formação de preços.
“A questão que eu teria em mente se fosse um regulador, pensando no mercado de ações como exemplo, seria: são os emissores, que são os usuários finais de um lado do mercado, que estão sendo prejudicados, ou o investidor final, ou os donos dos ativos, ou os fundos de pensão, ou os investidores de varejo que estão sendo prejudicados? É para eles que o mercado existe. Todos os outros players são algum nível de intermediários e eles sempre vão reclamar de várias coisas. Vão reclamar dos custos de fazer negócios, das regulamentações sendo muito onerosas e tomando muito tempo. Mas, na verdade, é o usuário final que o regulador tem que ter em mente”, conclui.
No Brasil, a CVM mudou a regulamentação para permitir as operações de compra e vendas de grandes blocos fora de bolsas de valores e indicou que fará estudos mais aprofundados sobre a internalização de ordens.